Mu, Mu, Mu, Yeah, Yeah, Yeah

Sem rodeio:
Eu te odeio

Mu Mu Mu Yeah Yeah Yeah

Eu te vejo,
te desejo
e o teu beijo,
quero mesmo

Sou artista,
brasileiro,
e hoje eu canto
por dinheiro

Mas dinheiro,
Sem rodeio:
E U  T E  O D E I O 

Me deixem cantar
Só quero cantar
Preciso cantar
Cantar mesmo por cantar

Me deixem cantar
Só quero cantar
Preciso cantar
Cantar pra me libertar

    Por mais que na cena do Casal de Executivos da Lis e do Gabriel não necessite de uma letra para a música, uma vez que a estrofe "Mu, mu, mu,/ yeah, yeah, yeah/ sem rodeio:/ eu te odeio" comunique tudo o que a cena precise, enquanto artista, percebo que existe espaço para a criação ilimitada dessa peça. Não precisa ser necessariamente para essa montagem. Como a peça foi pensada, inicialmente, em 2023, no formato de esquete, então eu entendo que nunca apresentaremos a mesma peça novamente. Cada vez que ela for reencenada, será uma peça nova, mesmo que utilizemos como base as mesas esquetes.

    Além disso, pessoalmente, enquanto um artista que esteve envolvido na composição de diversas músicas desse espetáculo, decidi tomar pra mim esse espaço. Inicialmente, a cena do casal era uma cena sobre o machismo, a dominação do homem pela força e uma mulher, que em algum momento se liberta e vira o jogo. Era uma cena sem música. Sem rodeio: eu te odeio, surgiu de um improviso no segundo semestre de mâney, o qual dedicamos exclusivamente a criação. Então passamos a ter uma cena que começava com música.

    Na montagem atual, estávamos passando a cena Casal de Executivos sem a música "Sem rodeio: eu te odeio". Então, conversando com o Caléo, comentamos que sentimos falta dessa música. Além disso, atualmente, a presença da figura despótica, que era inexistente até então, aparece no final falando: "literalmente uma porcaria. Eu pedi algo forte e me trazem novelinha". Acontece que toda novelinha é caracterizada pela presença de uma canção.

    Pessoalmente, eu acredito que essa canção já é completa em si mesma só com a estrofe "Mu, mu, mu,/ yeah, yeah, yeah/ sem rodeio:/ eu te odeio". Porém, senti a necessidade em mim de colocar pra fora sentimentos sobre relacionamentos que vivi e que essa cena me desperta.

    Porque como um ser humano, eu só queria cantar. Essa é minha maior forma de expressão. Canto quando estou sentindo as emoções. E como um bom trovador, cantar os versos que escrevo. Mas na moral. Eu ODEIO o que o dinheiro faz com o meu cantar. É uma porra. Se eu quero cantar no chuveiro, não pode porque incomoda os vizinhos. Se eu quero cantar no transporte, não pode porque incomoda os transeuntes. Se eu quero cantar no ambiente de trabalho, não pode porque incomoda o patrão, os clientes e os outros trabalhadores. Se eu quero cantar, tenho que pagar um karaokê. O único lugar que eu posso cantar livremente (e mesmo assim, nem tão livre assim) é em um palco. O único trabalho que eu posso fazer que eu não vou pagar pra cantar é quando me pagam pra eu cantar. Então que assim seja.

    Paga-se muito mau pra quem canta, e existe uma super remuneração para alguns poucos escolhidos. Enquanto um artista, eu não tenho um cartão, eu não tenho uma lista de compras, porque eu não quero ter coisas. Eu quero simplesmente ser, e acabou. Viver. Aproveitar o momento, o presente, as presenças. Eu quero compartilhar minha vida e quero que a sua vida seja compartilhada comigo. Mas por mais que eu me recuse a ter relações afetivas que sejam baseadas pela vida financeira, pelo quanto você pode tem, querendo ou não as relações interpessoais são atravessadas pelas relações de poder econômico.

    Se hoje me orgulho de cantar e receber cada centavinho suado, ao mesmo tempo eu odeio cada segundo que levo uma vida financeira instável pelo simples fato de ser só mais um artista anônimo e como isso atrapalha o desenvolvimento saudável de uma relação amorosa. Ao mesmo tempo que só ter dinheiro não é garantia nenhuma de uma relação saudável amorosa. Mas tenho certeza absoluta o quanto é desgastante amar sem ter grana.

    E sim, esse processo mexeu muito comigo, me atravessou de diversas maneiras. Hoje Mâney me trouxe um milhão de perspectivas profissionais, além de várias conquistas de carreira. Primeira participação em um projeto do FAC, primeira vez recebendo pra ensaiar, um espetáculo autoral de toda as pessoas envolvidas na criação (dramaturgia, direção e elenco), espetáculo em que vou cantar composições minhas. A peça surgiu da primeira turma em homenagem ao Hugo Rodas, e vamos apresentá-la na primeira montagem profissional no Teatro Galpão Hugo Rodas. Isso é lindo! Ao mesmo tempo que dói. Ter uma cena de um casal que pauta sua relação por uma disputa de poder com o cartão de crédito me dói horrores, porque me vejo como um artista marginalizado pela cultura local e refém de um sistema financeiro que não me favorece, e ainda me atrapalha.

    Atrapalha porque eu não tenho os meios de produção. Se, por um lado, eu tenho o poder da criação, o poder dos meios de produção e distribuição em escala industrial está nas mãos de 2 ou 3 gravadoras. Warner, Sony e talvez alguma outra. Mesmo que seja possível fazer música em escalas menores, o artista, o criador, a criação, a obra, em um sistema industrial, sempre serão o elo mais fraco da corrente. Se a corda for arrebentar em algum lugar, que seja ali. Quando a cultura passa a ser uma indústria, a arte deixa de ser uma expressão e passa a ser um produto. Algo que era sagrado, um momento de descanso e entretenimento pessoal ou coletivo, passa a ser comércio. Perde-se a sacralidade do que é feito. Me sinto como Jesus quando viu comerciantes dentro do templo. Me indigno. Por isso, entro no templo que é o palco e faço do momento que eu estou ali, ao momento que eu saio, o meu ritual sagrado. Porque ser artista é isso. É criar uma coisa em troca de quase nada, somente trançando as palhas por seus caminhos, torcendo para que amanhã seja melhor. O trabalho do artista é voltar e tecer um chapéu para as cabeças.

Sagrado Coração de Artista 💛

Mu, Mu, Mu
Mu, Mu, Mu
Mu, Mu, Mu uh uh
Yeah, Yeah, Yeah


https://youtu.be/ALD_rYmEgGQ

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